Ação Civil Pública quer proibir multas por falta de pagamento em free flow, na Via Dutra

Por Fetrabens | 29 de setembro de 2025

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Uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal (MPF), quer que a Justiça Federal proíba, desde já, a aplicação de multas a condutores que, eventualmente, deixem de pagar as tarifas de pedágio do novo sistema de cobrança a ser implementado na Via Dutra (BR-116), em São Paulo.

 

O novo sistema, chamado de free flow, prevê a tarifação eletrônica dos usuários sem a necessidade de desaceleração dos veículos, permitindo a continuidade do fluxo nos pontos de cobrança.

 

Segundo o MPF, há riscos elevados de que o sistema gere milhões de multas indevidas e leve motoristas ao superendividamento e à impossibilidade de dirigir.

 

Os pórticos de cobrança estão instalados em 21 alças de acesso à pista expressa da Dutra na região metropolitana de São Paulo, no trecho entre São Paulo e os municípios de Guarulhos e Arujá.

 

São 12 pórticos na pista sentido Rio de Janeiro e nove no sentido contrário. A implantação do sistema está prevista no contrato de concessão da rodovia à CCR RioSP (atual Motiva), em vigor desde 2022, e visa ao gerenciamento do tráfego. O modelo tem a finalidade de equilibrar o fluxo entre as vias expressa e marginal, com a aplicação de tarifas variáveis ao longo do dia conforme o volume de veículos em circulação.

 

O MPF esclarece que sistema de cobrança eletrônica não tem natureza jurídica de pedágio, uma vez que constitui um serviço alternativo oferecido aos motoristas para evitarem congestionamentos em vias laterais, sem o objetivo de angariar recursos para a manutenção da rodovia.

 

É dessa classificação que deriva a ilegalidade da aplicação de multas para eventuais usuários inadimplentes, ressalta o MPF. A cobrança das tarifas enquadra-se em uma relação de consumo entre motoristas e a empresa concessionária, cujas circunstâncias e consequências devem ser regidas pelo Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, não pelas leis de trânsito.

 

Milhões de multas

 

O MPF alerta que, se mantida a possibilidade de sanção aos usuários que deixarem de pagar as tarifas, muitos deles serão severamente punidos apenas por desconhecerem o novo modelo ou encontrarem dificuldades para quitar os débitos, caso não tenham dispositivos de pagamento automático instalados nos veículos.

 

Medidas anunciadas pela concessionária, como a afixação de painéis informativos na rodovia, a disponibilização de canais digitais de atendimento e a adoção de períodos experimentais sem aplicação de multa, revelaram-se insuficientes em outras vias onde o free flow já está em operação.

 

Segundo estimativa do MPF, até cinco milhões de multas poderão ser aplicadas anualmente na Dutra em decorrência da falta de pagamento pela passagem nos pórticos. A projeção se baseia nos números registrados na rodovia Rio-Santos (BR-101), que já possui o free flow em funcionamento, também sob gestão da Motiva (antigo grupo CCR). Lá, o sistema de cobrança eletrônica gerou mais de um milhão de multas em 15 meses, com impacto financeiro total de R$268 milhões para os motoristas.

 

Muitos desses usuários só tomaram ciência das cobranças quando receberam as notificações de infração, apesar das ações informativas e dos períodos de isenção das sanções que a empresa afirmou ter adotado previamente para que os clientes se adequassem ao modelo. Outros, ainda, foram vítimas de falhas operacionais, como cobranças das tarifas em duplicidade.

 

As preocupações do MPF sobre as sanções indevidas aos motoristas na Dutra já haviam sido externadas durante a audiência pública que a instituição promoveu em abril para discutir o assunto. O evento fez parte dos esforços do Ministério Público Federal na busca de soluções consensuais para assegurar os direitos dos usuários. Após a realização de diversas reuniões com órgãos públicos envolvidos, no entanto, não houve garantias de que os consumidores seriam poupados da aplicação das multas, o que motivou o ajuizamento da ação civil pública.

 

Mudanças são inconstitucionais

 

Além de pedir a imediata proibição das sanções relacionadas ao free flow na Dutra, o MPF requer que a Justiça Federal declare – com efeitos válidos para todas as rodovias do país – a inconstitucionalidade das alterações promovidas em 2021 no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que permitiram a aplicação dessas multas.

 

Uma das mudanças é a inserção do artigo 209-A, que equipara a falta de pagamento nesses modelos de cobrança eletrônica à evasão de pedágios convencionais. Nos dois casos, a multa fixada é de R$ 195,23 e acumulação de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

 

O MPF aponta que as condutas são totalmente diferentes, sem pontos comuns que permitam a classificação de ambas como infrações. Na evasão de pedágio, o motorista age dolosamente para fugir da cobrança, com rompimento de cancelas e outras ações que colocam em risco sua própria integridade física e a dos demais usuários, o que justifica a adoção de sanções pelo Poder Público.

 

Já a inadimplência em sistemas de tarifa eletrônica não implica ameaças à segurança viária e, em muitos casos, sequer deriva de má-fé dos usuários. A única consequência é um passivo financeiro, cuja quitação pode ser requerida pela concessionária por meios judiciais e extrajudiciais no âmbito do direito privado.

 

Outra alteração no CTB que deve ser declarada inconstitucional é o parágrafo 3º do artigo 320. Ele estabelece a destinação do valor arrecadado com as multas para a recomposição de perdas de receita das concessionárias decorrentes do não pagamento das tarifas em sistemas de cobrança eletrônica.

 

O MPF aponta que o texto legal transparece o nítido intuito arrecadatório das sanções em favor das empresas e, na prática, garante a elas um privilégio desproporcional ao atribuir ao Poder Público o papel de ‘avalista’ do negócio.

 

O trecho da Dutra onde foram instalados os pórticos concentra o maior tráfego pendular do país, com cerca de 350 mil veículos em deslocamento diário entre as cidades da Grande São Paulo. Boa parte desse fluxo se deve a atividades rotineiras comuns ao cotidiano dos cidadãos.

 

De acordo com o MPF, as multas relacionadas ao sistema eletrônico de cobrança impõem a esses motoristas punições excessivas por uma conduta que nem mesmo constitui infração administrativa, ferindo direitos básicos decorrentes dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade, da dignidade humana e outros que asseguram a proteção aos consumidores.

 

Impactos

 

A ação civil pública descreve uma situação hipotética que ilustra o possível impacto do free flow sobre a vida dos usuários da Dutra. Um motorista que desconheça o modelo ou não seja avisado sobre as cobranças pode acumular R$1.952,30 em multas e receber 50 pontos na CNH se deixar de pagar as tarifas referentes a apenas cinco dias de uso da rodovia, considerando-se trajetos de ida e volta que incluam duas passagens diárias pelos pórticos. Ou seja, esse cliente sofreria não só o peso financeiro de uma dívida exorbitante, mas também a suspensão de sua habilitação para dirigir.

 

Com a previsão de milhões de multas, milhares de pessoas terão suas carteiras suspensas. Pergunta-se: quem vai levar o filho à escola? Como o cidadão vai para o trabalho? Como o Estado promoverá uma reabilitação em massa de milhares ou até milhões de motoristas a curto prazo? E os impactos econômicos disso? Como o cidadão vai pagar milhares de reais em multas sem comprometer o orçamento familiar? Uma inadimplência civil não pode ser considerada multa de trânsito, ainda mais quando se há no ordenamento outros meios efetivos de cobrança. O free flow da Dutra remunera serviço de gerenciamento de tráfego e não a conservação da estrada, ou seja, não é pedágio, não pode ter multa nesse caso”, afirmou o procurador da República Guilherme Rocha Göpfert, autor da ação do MPF.

 

Os arts. 209-A e 320, § 3º, ambos do CTB, demonstram-se dissonantes dos fundamentos que sustentam as demais normas do Código de Trânsito Brasileiro e do Código de Defesa do Consumidor, assim como da Constituição Federal, tendo em vista que sua finalidade visa tutelar o interesse privado das concessionárias e não o interesse público, consubstanciado na segurança do trânsito”, concluiu.

 

Fonte: Estradas



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